Monday, June 29, 2009

Braga: a noite meiga e bendita



Para lá da folia, acho que os galegos têm toda a razão, quando chamam ao arraial de S. João — porque eles também o vivem — a noite meiga e mágica, animada pelas sardinhas, pão de milho, a queimada (bagaceira especial), jogos para as crianças e bailes para os crescidos.

É mesmo um intervalo de meiguice e magia em mais de trezentos dias de árdua canseira para ganhar o sustento da sobrevivência de tantos. Estes momentos de meiguice e de magia fazem-nos tanta falta como o pão que tão caro nos custa todos os dias.

Os trabalhadores — enquanto classe — foram destacadamente dignificados na obra "O Capital" de Karl Marx, ao mesmo tempo que Paul Lafargue defendia "O direito à preguiça": a escravatura do ser humano acicatada pela revolução industrial só podia ser destruída pelos que lhe davam corpo: os trabalhadores.

Hoje, ainda dizemos, sem saber bem porquê, que algumas pessoas trabalham como galegos... mal sabendo que foi o sogro de Karl Marx quem definiu os nossos vizinhos como um exemplo dos devastadores efeitos que o trabalho causa no organismo das pessoas. Para Lafargue, era o intenso trabalho a que os galegos eram obrigados que os tornava feios, em contraste com a beleza de outros povos, como os alentejanos ou andaluzes, com a fama de preguiçosos ou lentos...

Os especialistas do nosso tempo, preferem tratar-nos como "workaólicos", ou seja, viciados ou alcoólicos do trabalho, apresentando como exemplo os japoneses que ocuparam o lugar do minhotos-galegos. São aqueles que trabalham no batente durante doze ou catorze horas, diárias.

Não é humor negro, mas a actual crise que , em tão poucos meses, criou dezenas de milhões de desempregados, é a melhor terapia de desintoxicação deste vício do trabalho a que os novos gestores — da liberdade do mercado e da economia livre — nos castigam.

Após alguns séculos de pregação da Igreja contra a liberdade sexual, teve que ser um papa — a quem todos colocam o rótulo de conservador —, Bento XVI, que nos veio alertar, mais uma vez, entre tantas vezes em que não ligamos patavina ao que os seus antecessores disseram, sobre o trabalho desenfreado não na cama, mas nas fábricas e oficinas.

É um papa alemão, povo que, entre outras famas e proveitos, goza a de ser um povo trabalhador, que nos vem propor um estilo de vida mais brasileiro, como seja, mais samba e menos trabalho. Bendito seja Benedictus XVI porque a sua condenação do trabalho desenfreado, incluindo os dias do Senhor, é algo extremamente ecuménico, uma vez que crentes e não crentes, judeus e muçulmanos, budistas e hindús, testemunhas de Jeová ou Metodistas, Luteranos ou Mórmones estão de acordo.

O trabalho dignifica o Homem mas quando o Homem se torna escravo do trabalho, passa a ser pecado uma vez que nos faz esquecer do que é importante na vida pessoal, familiar, social, cultural e da cidadania.

O ser humano não pode ser reduzido a braços ou carne para canhão — seja ele de guerra, de dinheiro ou da exploração —pois deve ser-lhe dada a oportunidade, isto é, tempo, para cultivar o espírito, nas suas dimensões culturais, religiosas, sociais e recreativas e desportivas tão necessárias a uma mente sã num corpo são.


Neste dia em que Braga atinge o fulgor das suas festas e da sua folia, o que o Bendito Bento XVI nos veio dizer, com toda a solenidade, é que o trabalho em demasia não só se torna prejudicial para o corpo como danifica a alma: o trabalho é como o bom vinho. É bom em dose moderada, mas em dose exagerada tolda o espírito do ser humano e faz dele um animal (de carga).

É caso para dizer que não há mal que venha por bem mas não há bem que nunca acabe: o trabalho começa a ser um milagre nos tempos que correm.

O S. João é uma noite meiga, mágica e bendita... palavra de Benedictus XVI.

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