Monday, April 19, 2010

Renascer o Passado: empresa singular de Braga


Renascer o passado é uma empresa bracarense rara e prestigiada em Portugal que se dedica à execução de trabalhos de conservação e restauro do património no Minho e em todo o país.

Uma das obras que falam sobre a capacidade deste empresa é o Teatro Circo, cuja talha e pintura foram por elas restauradas. António Barbosa e Alexandre Barbosa são os rostos desta empresa herdeira de um dos maiores pintores bracarenses.

A empresa está a ampliar as instalações para reforçar as perspectivas de trabalho, sediando-a com escritórios no Centro Histórico de Braga. As oficinas de restauro e pintura e ateliers estão a ser transferidos para um parque empresarial em Frossos, porque grande parte do trabalho é feito no local.

Outro projecto em negociação é a recuperação da “Cidadela de Cascais. Na quinta-feira Santa fomos contactados pela Presidência da República para apresentar a nossa proposta. Vamos ver”.

O pretexto desta conversa para o programa “A empresa & o empresário”, na rádio Antena Minho, às quartas-feiras, foi o restauro da Igreja de Tabuadelo, em Guimarães, inaugurado no Sábado passado.

Alexandre Barbosa, gerente da empresa, numa responsabilidade que partilha com o pai, António Barbosa (filho do grande pintor de arte sacra Alberto Barbosa, de Real, a quem se deve a autoria da imagem da Senhora de Fátima tal como a conhecemos), dá-nos conta dos projectos que a empresa está a desenvolver e que passam por novas instalações para as suas oficinas e ateliers.

No Sábado passado, a empresa pôde mostrar a centenas de pessoas a obra que realizou na Igreja de Tabuadelo, de estilo Rocaille, no que se refere ao restauro e pintura da talha e restauros de pinturas religiosas, especialmente nos tectos, através de três projectos efectuados por Alexandre e António Barbosa.

Na festa dos 50 anos de sacerdócio do padre Isaac, Tabuadelo ficou com novas estruturas retabulares, novos tectos e as pinturas de 15 passos da Via-sacra sobre telas, dispostos ao longo do interior do templo.

Renascer o passado” significa renascer aquilo que “um dia já esteve o apogeu da sua beleza e foi vítima do desleixo humano”.

A empresa vem desde 1900, com Alberto Barbosa, depois com o filho António e agora o neto Alexandre que destaca o “vasto património artístico, tanto religioso como civil ou militar, em palácios e Igrejas e muito dele está abandonado ou desleixado, por razões financeiros e por não aparecer um leque de artistas que avancem com métodos de restauro adequados ao respeito que merece”.

Alexandre Barbosa sustenta que um património mal intervencionado “é um dano irreparável” ou um “crime”.

Nós incidimos todo o trabalho de estruturas, restauros de talha, pintura, douramentos, conservação e restauro de douramentos com limpeza, tratamento dos agentes degradantes como o bicho-da-madeira, conservação das estruturas retabulares, recuperação de pinturas dos séc. XVII e XVIII. Temos também — diz Alexandre Barbosa — um atelier de pintura, com execução de pintura nova, para projectos de pinturas de tectos, mediante desenhos consoante as directrizes de cada obra”.

Com sete artistas a trabalhar, a empresa “Renascer o passado” recorre a subempreitadas de outros para trabalhos que não consegue satisfazer em outras áreas.

Entre estas sub-empreitadas, Alexandre Barbosa recorre mais a artistas entalhadores, estuques, carpintarias, ou douradores especializados.

Encontrar estes artistas vai-se tornando cada vez mais difícil e mais caro, apesar de Braga ter sido uma cidade rica “em arte sacra mas não tanto em artistas de conservação e restauro do património”. Braga insistiu muito na construção de património novo mas “esqueceu-se u m bocado de formar artistas para o restauro”. Algumas casas de restauro sem preparação procederam à eliminação do vínculo do passado e danificaram o património. “Quanto mais elevada é a dificuldade de intervenção, mais difícil encontrar colaboradores de qualidade, especialmente na pintura de século XVII ou XVIII. Essa é uma das nossas riquezas”.

Para alem do Teatro Circo e da Igreja de Tabuadelo, a empresa bracarense conclui o Solar de Lamas, em Vieira do Minho, restaurando os retábulos, com douramentos e marmoreados da época, repetindo a mesma operação no tecto da Capela do Solar. O tecto não possuía nenhuma pintura e foi efectuado um projecto pelos arquitectos.

O Palácio do terreiro, nos Arcos de Valdevez, bem como outros templos foram recuperados pela “Renascer o passado”, mas recentemente esteve envolvida no restauro do Palácio do Freixo, no Porto, com restauro de esculturas em pedra, bastante degradadas.

Neste momento, a empresa tem em desenvolvimento outra “grande obra na Igreja de Nespereira, em Guimarães, que consiste na recuperação de grandes tectos, com pinturas de há cem anos, e de estruturas retabulares”.

Foi agora concluída também a Igreja de Pinheiro, um templo românico vimaranense, com um tecto alusivo ao Divino Salvador.

Está em negociação a possibilidade de vir a “intervir no projecto de recuperação dos Passos em Guimarães” — revela Alexandre Barbosa que não tem relações difíceis com o IGESPAR.

O nosso relacionamento é pacífico nas obras que eles fiscalizam. Existem regras exigidas que não foram feitas para atrapalhar os artistas mas para nãi danificar o património. Há uma metodologia de restauro e conservação que tem de ser respeitada, em nome do património” — acentua Alexandre Barbosa.

Recuperações mal feitas que são atentados ao património têm sido detectados pela empresa bracarense. Os casos que constituem maior atentado ao património acontecem mais com as imagens. Depois da “abertura de janelas em vários pontos da imagem ou da tela para definir se existe pintura anterior, tentamos analisar se existem esses atentados, se isso acontecer (estofo, por exemplo), tentamos recuperar a pintura da época original, removendo toda a pintura que está por cima da pintura original”.


Este jovem licenciado em Ensino Artístico nasceu em Braga em 1975, fez a escola primária em S. Lázaro, no antigo Magistério Primário, depois frequentou a escola André Soares.

Desde pequeno seguia a pintura do pai mas “não estava muito virado para a arte do pai”. No Liceu D. Maria II concluiu os estudos secundários e “aí sim, a partir do nono ano, efectuava trabalhos de desenho e ainda nos dias de hoje continuam a expor alguns trabalhos meus, pois passei a ser o artista da escola”.

Inicialmente, queria ser arquitecto, chegou afazer exames em Lisboa e no Porto mas “acabei por tirar a licenciatura em ensino artístico na Escola Superior de Viana do Castelo”.

Depois, “não desleixei a minha pintura e no último ano de licenciatura já esta a orientar o restauro do Palácio do Terreiro, nos Arcos de Valdevez, em 1999. Foi uma obra de jovens licenciados".

Assume então a responsabilidade da empresa do pai, António Barbosa, que continua a partilhar a gestão da empresa que sente a crise “nos pagamentos” porque em termos de trabalho não há grande competitividade de outras empresas. É uma média de um trabalho de grande restauro por ano. “Estamos a deixar uma marca no pais, a projectar a nossa cidade como Capital Europeia da Cultura, e esperamos continuar a dar um contributo de glória para esta cidade” — conclui Alexandre Barbosa.

Artur Soares: testemunhos da guerra em Moçambique


Com uma expressiva capa de Aurélio Mesquita, a editora Lugar da palavra apresentou ontem, na Biblioteca Lúcio Craveiro, em Braga, a mais recente obra de Artur Soares, com alguns textos publicados no jornal Correio do Minho, no qual colaborou durante quase uma década.

Testemunhos da Guerra do Ultramar” tem como cenário a actividade da Companhia de Caçadores 1571 do Regimento de Tomar, entre 1964 e 1966, no Norte de Moçambique, onde, ao fim de três anos perdeu nove homens e viu 59 dos seus soldados feridos.

Artur Soares era um dos furriéis dessa companhia numa guerra feita “apenas por milicianos” — conforme acentuou na sessão de apresentação da sua obra — e fomentada por aqueles que “não têm filhos para mandar à guerra e protegem da guerra os seus mais chegados”.

Habituada a editar livros de qualidade, a editora Lugar da Palavra encontrou no panoiense Artur Soares o escritor idela para se manter fiel ao seu lema: “dar a conhecer novos autores, numa altura em que o mercado editorial praticamente se fechou a novos talentos e, em vez disso, cada vez mais se abre à lógica do autor-futebolista-actor-de-nove-la-apresentadeiro-telegénico e afins” — como afirmou o seu fundador João Carlos Brito.

Na apresentação do livro, Costa Guimarães começou por Afirmar que estamos perante alguém que “escreve algo que valha a pena ler e fez algo acerca do qual valha a pena escrever”, sustentando que o tema interessa ainda hoje a milhões de portugueses que viram familiares seus morrer, ficar deficientes ou doentes com a Guerra do Ultramar.

Situando o assunto do livro, Costa Guimarães apresentou alguns números sobre a Guerra Colonial em Angola, Guiné e Moçambique: 8 290 mortos nas três frentes de combate.

A grande maioria dos que morreram caiu em combate, e aqui o número mais elevado registou-se em Moçambique (1 481); seguem-se Angola (1 306) e Guiné (1 240).

A acção testemunhada no livro de Artur Soares desenrola-se no Norte de Moçambique, nos anos 1964 a 1966, e ocupa metade do livro. A outra metade do livro é constituída por crónicas publicadas em alguns jornais, grande parte delas no Correio do Minho e que mantêm a Guerra Colonial e o seu fim como fio condutor das ideias.

Costa Guimarães definiu o autor como alguém que “aceita o conselho dos outros, mas nunca desiste da sua própria opinião. Nós sabemos qual é o seu rumo e ele assume-o com ousadia e humildade, partilhando-o com os seus leitores”.
Costa Guimarães desafiou o autor a reescrever e ampliar capítulo “O Galego”, desenvolvendo a história em forma romance, aproveitando outros elementos das outras histórias como a do Manhente e Lança granadas.

O desafio foi feito no fim da apresentação do livro em que Costa Guimarães desafiou os convidados a cantarem uma oração-poema que os soldados de Braga entoavam em Moçambique decalcada numa música tradicional.

De facto, considerou Costa Guimarães, o primeiro capítulo de “Testemunhos da Guerra do Ultramar” possui todos os ingredientes — desde o mistério, ao crime, passando pelas ruralidades (minhota e moçambicana), pela intriga, através da caracterização social e cultural do Minho e da vida em Ditadura, para ser um romance de intensa densidade psicológica.

Por outro lado, justificou o jornalista, seria uma obra oportuna dado que Moçambique asssiste hoje a um movimento de aproximação com Portugal, através do incremento da Língua de Camões como Língua materna entre os mais jovens.


QUEM É ARTUR SOARES?

Depois de lermos “Testemunhos da Guerra do Ultramar”, verificamos que Artur Soares é um daqueles bracarenses que conta a sua história porque a possui, uma vez que muitos outros não contam e outros tantos não têm para contar.

Artur Soares nasceu a 8 de Dezembro de 1943, em Panoias Braga. Começou a trabalhar como empregado de comércio aos 13 anos e fez o 2.º Ciclo – Liceu – como “aluno externo”. Estudou Filosofia, Cristologia e frequentou na Fundação Konrad Adenauer, em Bona – Alemanha, um curso intensivo de Sociologia. Fez o serviço militar obrigatório entre os anos de 1965 e 1968, terminando-o como Segundo Sargento Miliciano e com uma comissão de serviço na guerra colonial de Moçambique.
Aos 26 anos foi correspondente do jornal “O Primeiro de Janeiro” do Porto, em Vila Nova de Famalicão e, iniciou a sua colaboração com “Artigos de Opinião” nos jornais “Notícias de Famalicão”, “Expresso do Centro”, “O Gerezão”, “Correio do Minho”, “O Conquistador” e várias revistas, sem prejuízo da subida na carreira de funcionário público, onde atingiu a chefia de repartição de Finanças, na categoria de Tesoureiro Gerente de 1ª, em Maximinos.

Para ele, ainda hoje se morre na guerra (psicologicamente) lentamente. Na guerra, “a grande avalanche dos mortos são inocentes. Até a maioria dos militares que na guerra participam, não conhecem a totalidade ou todas as razões que levam à existência da guerra” — como escreve na página 52 de “Testemunhos da Guerra no Ultramar”.