Saturday, April 23, 2011

Braga: a "Burrinha" já saía no século XIX


A Procissão da Burrinha é organizada, desde 1998, pela Paróquia e pela Junta de Freguesia de S. Victor, mas Camilo Castelo Branco já fala dela em meados do séc. XIX — revelou o "Correio do Minho" na sua edição de 20.04.2011, p.10.

Hoje à noite, a procissão repete o seu itinerário mas carregada com esta nova dimensão secular: igreja de S. Victor, Largo da Senhora-a-Branca, Avenida Central, Largo de S. Francisco, Rua dos Capelistas, Jardim de Santa Bárbara, Rua do Souto, Largo do Barão de S. Martinho, Avenida Central, Largo da Senhora-a-Branca, igreja de S. Victor.

A “Procissão da Burrinha” regressou à Semana Santa em 1998, após uma suspensão de 25 anos. Na altura em que foi suspensa, realizava-se na noite de Sábado Santo, entre a igreja de São Victor e a da Misericórdia, através de uma colectânea de quadros do Serviço Nacional de Informação (Ministério do Turismo do Governo de então) que todos os anos eram trazidos para Braga e levados para Lisboa.

Procissão da Burrinha”, assim chamada por nela se incorporar uma imagem da Santíssima Virgem, montando um franzino jerico.

Também na página oficial da Junta de Freguesia de S. Vitor se pode ler que este majestoso Cortejo, organizado desde 1998 pela Paróquia e pela Junta de Freguesia de S. Victor, vai criando raízes e transmitindo de geração em geração, envolvendo as Autoridades locais e Religiosas numa colaboração ímpar que envolve mais de 1200 pessoas. A qualidade da figuração, é sempre renovada pelo esmerado empe-nho das zelosas costureiras da terra.

Elas fazem jus ao labor com que as suas mãos trabalham e assim manifestam com prazer a sua arte.
E fazem-no como homenagem àqueles que já no século XIX organizavam esta peregrinação pelas ruas da Roma Portuguesa na Semana Maior.

Nos últimos anos, foi recuperada e antecipada para a Quarta-feira da Semana Santa uma procissão que se realizava na noite de Sábado Santo: a “Procissão da Burrinha”, assim chamada por nela se incorporar uma imagem da Santíssima Virgem, montando um franzino jerico. Esta procissão constitui hoje um dos mais conseguidos momentos catequéticos da Semana Santa.

Famosa já no século XIX

Em “A Brasileira de Prazins”, o último grande romance de Camilo Castelo Branco, escrito por volta de 1880, em volta de Marta, filha de um lavrador mediano que tinha em Pernambuco um irmão rico de quem dizia o diabo.

“A rapariga conversou diversos mancebos, uns da lavoura, outros da arte, e, afinal, quando o pai lhe negociava o casamento com um pedreiro, mestre-de-obras, muito endinheirado e já maduro, apareceu o José Dias, filho de um lavrador rico de Vilalva, a namoriscá-la. Este rapaz estudava latim para clérigo; mas, como era fraco, de poucas carnes e amarelo, o cirurgião disse ao pai que o moço não lhe fazia bem puxar pelas memórias”.

Situando agora a acção em pleno Minho, Camilo Castelo Branco escreve: “ Naquele ano, por meado de 1845, espalhara-se no ambiente dos realistas, como um aroma de jardins floridos, o boato de que vinha o Sr. D. Miguel. O seu enorme partido sentia-se palpitar no anseio daqueles vagos anelos que estremeciam as nações pagãs ao avizinhar-se o profetizado aparecimento do Messias. Afirmam-no os Santos Padres, e os padres do Minho asseveravam o mesmo a respeito do príncipe proscrito.
Frei Gervásio recebia do alto da província cartas misteriosas de uns padres que paroquiavam na Póvoa de Lanhoso e Vieira. Era ali o foco latente do apostolado. Naqueles estábulos de ignorância supersticiosa é que devia aparecer, pelos modos, o presépio do novo redentor
.”

Depois dos fantásticos capítulos da Corte de Calvos, em que o falso D. Miguel, aparece a “despachar” os assuntos do reino, chegamos ao Capítulo XVI de “A Brasileira de Prazins” que nos interessa.

Na janela gótica do velho edifício da época de D. Afonso IV estava D. Miguel I assistindo ao desfilar do seu exército vencedor, em que havia muitas músicas marciais, de fulgurantes trompas, tocando o Rei-chegou; e o abade de Calvos, dentro de um carroção e vestido de pontifical, borrifava o povo com hissopadas de água benta, cantando o Bendito. As tropas estendiam-se até Barcelinhos, e pelo Cávado abaixo velejavam muitos barquinhos embandeirados de galhardetes com as bandas musicais de Santiago de Antas de Ruivães tocando a Cana-verde e Água leva o regadinho. Num desses bergantins com pavilhão de colchas vermelhas vinha sentada a irmã do padre Roque, mestre de latim, com os seus óculos, a fazer meia; e ao lado dela, vestida de cetim branco e borzeguins vermelhos dourados, com os cabelos soltos, vestida como os anjos da procissão da Senhora da Burrinha em Braga, a Marta de Prazins” (Capítulo XVI, parágrafo 25).
Coloca-se agora a dúvida: os acontecimentos remontam a meado de 1845 mas foram escritos em 1882.

Camilo apreciava o rigor de Arnaldo Gama, ao ponto de o classificar como “o primeiro romancista histórico”, mas não sabemos se esta comparação “como os anjos da procissão da Senhora da Burrinha” se funda na memória do autor ou se também se situa cronologicamente. Nas duas hipóteses, a procissão da Burrinha já era um cortejo muito popular em meados do século XIX. Mesmo que anacronicamente, Camilo situe este episódio, na décda de 40 do século XIX, nos tempos em que escreveu o livro (1882).

Seja qual for a hipótese que escolhamos, pelo menos em 1882, já se impunha em todo o minho a Procissão da Burrinha em Braga à qual Camilo assistiu quando vinha de Seide a Braga ou ainda na sua juventude, (1853 a 1863) quando andou foragido à justiça (por causa dos amores com Ana Plácido) na sua juventude, por Guimarães e Braga, o que nos remete para a existência notada desta Procissão em meados do século XIX.

Em Mafra e Alenquer: por que não em Braga?

Em Mafra, tal como em Braga, oficialmente a procissão chama-se de Nossa Senhora das Dores (das 7 dores) e foi instituída em 1725 quando foi fundada a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra que tem por função promover a cerimónia. Perde-se nos tempos o momento em que o povo decidiu rebaptizá-la de Senhora da Burrinha. Desde esse dia a procissão foi incorporada pelo povo e tornou-se mais sentida. Logo, mais verdadeira.

Em Portugal só em Mafra se encontra uma imagem representando a fuga para o Egipto. Em Espanha há algumas representações (poucas) mas em Portugal só em Mafra.

A Senhora da Burrinha devia ser mais celebrada e divulgada, como património exclusivo.
No Brasil, Angra dos Reis tem uma festa cheia de músicas, danças, procissões, passeatas e tradições seculares, e as figuras folclóricas da burrinha, vaca malhada, e bate moleque fazem parte dos festejos animando diversas passeatas pela cidade, junto com o Menino Imperador.

De origem portuguesa, a festa nasceu em Alenquer, no século XIV, chegando a Angra dos Reis, no século XVII. Durante o apogeu do ciclo do ouro, no século XVIII, a festa recebeu novos elementos enriquecendo e oficializando a realeza do Imperador do Divino Espírito Santo, representado por um menino escolhido entre as famílias da região.

Mais pormenores em
www.mafrahoje.pt/pt/articles/cultura/senhora-da-burrinha-e-afinal-a-fuga-de-maria-para-o-egipto.


Burrinha
simboliza
libertação
e alegria

A Burrinha é muito importante e está na vida diária em todo o Brasil. Manuel Correia de Andrade, geógrafo que nasceu em Vicência, afirma que nenhum animal foi mais importante na formação do Brasil que as mulas ou burros. Eles são animais de forte ‘personalidade’ e difíceis de serem domados, mas são resistentes e por isso sempre foram usados para o transporte de cargas.
As burras, vez por outra, empacavam e por teimosia não saíam do lugar, pois sua personalidade forte exige que sejam respeitadas e gostam de serem tratadas com carinho. No carnaval feito pelo povo as burrinhas tinham o seu lugar e são muito admiradas pelas crianças que gostam de brincar com elas, mesmo sabendo que elas saem correndo e pondo todo mundo a correr. Em Angra dos Reis a festa acontece na segunda-feira após a Semana Santa.

A data dos festejos em Angra está ligada à escravidão. Os senhores de escravos da época moravam em fazendas nos arredores onde os negros cultivavam a terra e trabalhavam nos engenhos. Esses senhores possuíam casas na cidade, que usavam quando tinham que ver algum negócio, tratar de alguma enfermidade ou assistir às festas religiosas, como é o caso da Semana Santa. Aproveitando-se da situação em que os senhores estavam envolvidos nas suas actividades religiosas, os negros transferiram a festa para a primeira segunda-feira após a Páscoa.

Também no Minho, temos sinais desse carinho com a burrinha. Na fonte da pegadinha da Senhora, no monte d’Assaia, ou da Saia, em Barcelos, vê-se a marca da ferradura da burra que a levou para o Egipto. Em Sátão (Viseu), no cimo de um penedo, vemos as pegadas da burrinha de Nossa Senhora; o mesmo acontece na fraga da burrinha em Souto Maior (Sabrosa) e nas pegadas da burrinha de Nossa Senhora em Vilar de Perdizes (Montalegre).

Numa outra fraga da Senhora da Serra, em Rebordãos (Bragança), as gravuras rupestres foram interpretadas como as ferraduras da burrinha que levou Nossa Senhora para o Egipto. Em Rebordelo (Vinhais), a burra de Nossa Senhora - que nela viera de Espanha, fugindo aos mouros - deixou nos rochedos as marcas das suas patas.

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